Post Scriptum Izanagui
Já morri em romance, ressuscitei nos contos — sigo em poemas inacabados.
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Meu Diário
19/05/2025 19h10
Meu processo criativo

Nos recônditos insondáveis de minha mente febril, reside um impulso irrefreável: escrever (mas nem tanto). Não se trata meramente de um passatempo, mas de um ritual quase profano, no qual invoco imagens, suspiros e horrores de uma dimensão inominável. Quando rabisco minhas histórias, por um instante ilusório, sinto-me liberto das correntes vulgares da realidade, como se pudesse espiar por entre os véus da existência e tocar, com dedos trêmulos, a própria tessitura do divino. O que sinto ao escrever é análogo àquele instante primordial em que Adão, ainda na aurora da criação, percebeu o peso e a glória de ter sido moldado à semelhança de seu Criador—antes de descobrir que o paraíso, assim como a sanidade, é transitório.  

Minha predileção pelo sobrenatural não se dá por acaso. A previsibilidade da realidade me exaspera—esse eterno ciclo de dias medíocres, onde o maior mistério é decidir entre café ou capuccino. Em vez disso, deleito-me com os espaços vazios, os sussurros que não têm fonte e os vultos que espreitam na penumbra. Prefiro narrativas onde a verdade se dissolve como névoa e onde o narrador não é um guia confiável, mas um sobrevivente surrado, um lunático murmurando sua história entre soluços, ou um mero recipiente de uma carta amareladas. Quero que o leitor, ao terminar minha história, não tenha certeza de nada—exceto da inquietante possibilidade de que tudo pode ser verdade.  

Minhas inspirações vêm de fontes inusitadas. Um sonho perturbador, uma canção que ecoa em tonalidades além da compreensão humana, uma velha superstição sussurrada por lábios enrugados, um vídeo de internet que talvez tenha sido uma alucinação. Raramente são minhas próprias emoções que moldam a essência de uma história—exceto quando uma melodia adocicada e melancólica me sussurra segredos de amores que jamais deveriam ser.

As ideias nascem, crescem e incubam-se dentro de mim como criaturas adormecidas nas profundezas de um lago estagnado. Quando finalmente emergem, escrevo uma sinopse caótica, desordenada, como se fosse um profeta em delírio. Só depois busco organizar a estrutura, domando o caos com títulos provisórios, tópicos e descrições. Mas a verdadeira escrita acontece em transe, os dedos dançando pelo teclado como se guiados por forças invisíveis, num êxtase quase automático. Só depois, quando o horror já está devidamente entronizado, permito-me lapidar as palavras—e então vem o momento de transformar algo comum, como "naquele dia o céu estava cinza e frio", em algo digno da lápide de um poeta maldito:  

"Aquele dia amanheceu sob um firmamento doentio, onde nuvens pesadas rastejavam como cadáveres celestes, sufocando a luz e espalhando um frio espectral, tão gélido quanto o hálito de uma tumba recém-aberta."

Sim, admito: possuo, secretamente, uma planilha profana, um compêndio de adjetivos lúgubres e substantivos espectrais, extraídos dos meus mestres literários. Um repositório amaldiçoado, ao qual recorro sempre que minha alma, por demais otimista e ensolarada para o ofício, precisa de auxílio para evocar horrores inomináveis e belezas fúnebres.  

Sei que meu estilo pode ser considerado prolixo, denso e desnecessariamente elaborado. Mas, sinceramente, vejo isso como um mérito. Pois não ouso comparar-me aos titãs do horror e da melancolia. Prefiro pensar que sou uma aberração experimental, um protótipo falho e disforme de Lovecraft, Poe e Álvares de Azevedo—um pastiche grotesco que, ao menos, se diverte no abismo.

 

 

Publicado por Izanagui
em 19/05/2025 às 19h10
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