Dizem que na zona rural, as coisas andam soltas demais de madrugada.
O tio do meu concunhado sabia disso — por isso levava a lanterna e a coragem sempre que ia inspecionar os trilhos da linha férrea, mesmo tarde da noite.
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Naquela noite, ele caminhava sozinho pelos trilhos, como sempre fazia.
O vento assobiava fraco entre as árvores, e só se ouvia o farfalhar dos seus próprios passos.
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Até que ouviu.
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❝ CLANG... CLANG... CLANG... ❞
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Um barulho metálico se arrastando pela estrada de terra ao lado.
Correntes.
Arrastando.
Lentas.
Sem passos.
Sem voz.
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Ele não viu.
Não quis ver.
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Se jogou no mato, se escondeu entre as sombras das folhas e ficou ali, imóvel como bicho acuado.
A coisa passou.
Sem pressa.
Sem som de respiração.
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Quando ele teve coragem de se levantar e seguir caminho até o vilarejo, já era quase amanhecer.
Mas a luz do dia não trouxe alívio.
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O que encontrou foram gritos, correria, gente chorando.
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Uma mulher havia sido encontrada morta.
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Pendurada dentro de casa, por uma corrente.
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Ninguém sabia o que tinha acontecido.
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Mas o tio do meu concunhado?
Ele sabia exatamente quando foi.