Estou escrevendo um conto. Ou melhor, estou tentando escrever um conto.
A ideia veio como um sussurro durante uma viagem de ônibus, entre um cochilo e outro, quando a estrada parecia um rio negro e sem fim. Lá fora, o mundo passava borrado. Aqui dentro, uma canção começou a tocar — um dueto nostálgico, saído da minha rádio favorita, a melancólica e elegante Antena 1. Foi nesse momento que algo despertou. Um estalo. Uma visão. Anotei a ideia no Trello como quem captura um espírito com um pote de vidro... e voltei a dormir.
Agora estou aqui. O resumo do conto está pronto, aguardando pacientemente por seu corpo. Mas falta a alma. A música. Aquela música.
E eu? Eu não faço a menor ideia de qual era.
Tenho vasculhado os arquivos da Antena 1 como quem procura um grimório antigo. Ouvi Woman in Chains, I'll Be Over You, Secret Lovers, Atlantic Starr... e nada. Nenhum arrepio. Nenhuma fagulha.
A maldita inspiração, essa entidade volúvel, exige uma chave perdida — e eu estou preso do lado de fora, espiando pelo buraco da fechadura.
Se você ouvir, por acaso, uma música que parece abrir um portal entre a insônia e a epifania, me avise. Pode ser ela.
Enquanto isso, continuo aqui. Escrevendo em círculos, esperando que o rádio me salve. Ou me condene.