Entre os espectros pálidos da poesia ultrarromântica brasileira, poucos versos carregam tanto silêncio denso quanto o poema “Amargura”, de Aureliano Lessa. Escrito por um dos membros da célebre (e maldita) geração do Mal do Século, este poema é uma confissão sussurrada — e por isso mesmo, mais lancinante do que qualquer grito.
Oh! não me pergunteis por que motivo
Pende-me a fronte ao péso da amargura,
Quando um suspiro trêmulo, afflictivo,
Sôbre os meus labios pallidos murmura.
A abertura já é uma negativa — um pedido para não se perguntar. O poeta antecipa a incompreensão dos outros. A dor não é uma narrativa com explicação: é um peso mudo, que faz pender a fronte. O “suspiro trêmulo” é tudo o que escapa, e mesmo ele já vem fraco, soterrado por algo maior do que a linguagem.
Quando ao fundo do lago a pedra desce,
Globo de espuma á flôr do lago estala:
Assim é o suspiro: elle apparece,
Por que no coração cai dôr que o rala.
O poema mergulha em metáfora. A dor é uma pedra lançada ao fundo do lago — pesada, afundada, silenciosa. O suspiro que se escapa é a espuma — pequeno, passageiro, quase irrelevante. Mas ainda assim, testemunha de um colapso interno. O lago (a alma) é cavado pela queda da dor.
Do lago a face lisa espêlha flôres,
No fundo a vista não divisa o ceno;
Assim dentro do peito escondo as dôres
Mandando aos labios um sorriso ameno.
A imagem se aprofunda. A superfície do lago reflete flores — beleza aparente. Mas o fundo… esse é opaco. Intocável. Assim é o coração do eu lírico: um poço escuro sob uma máscara serena. O sorriso nos lábios é uma farsa poética — uma gentileza estética que esconde o caos interno.
Mas quando uma afflicção acerba e crua
Mais que um rochedo o coração me opprime,
Quando nas chammas do soffrêr estúa
Como no incendio o resequido vime;
Chegamos ao ponto de ebulição. A dor agora não é apenas metáfora aquática — é rocha que esmaga, é fogo que consome. O poeta se compara ao vime ressequido, inflamável, vulnerável. Não há resistência: a dor é mais forte que o corpo, mais intensa que qualquer metáfora.
Não choro, não! — De angústias flagellado
Um queixume sequer eu não profiro;
Descai-me a fronte, penso no meu fado…
Oh! não me pergunteis porque suspiro!…
E então, o silêncio triunfa. Mesmo em meio à flagelação, não há grito, não há choro, não há queixa. Só o suspiro retorna — agora como símbolo final daquilo que não pode ser dito nem suportado. A dor cala o homem, e tudo que resta é a repetição do início: não me perguntem. Porque nem ele saberia explicar. Ou pior: porque ele sabe, mas não pode partilhar.
Neste poema, Aureliano Lessa faz da linguagem uma rendição. A dor que ele descreve não é melodramática — é densa, contida, afiada pela introspecção. Como nos melhores poemas do ultrarromantismo, o verdadeiro drama acontece dentro, no invisível.
A amargura, afinal, não tem rosto. Tem forma de pedra afundando. Tem temperatura de brasa silenciosa. Tem a sonoridade de um suspiro — fraco, breve, mas suficiente para deixar marcas em quem escuta.