Essa noite sonhei que dormia ao lado da minha esposa, como tantas outras noites em nossa cama — o território sagrado da confiança e da exaustão. Mas havia algo diferente: o leve ronco dela, aquele sopro nasal inofensivo que tantas vezes serviu de trilha para o meu sono, começou a incomodar. Não era o som em si, mas o que ele carregava: um peso estranho, uma presença opaca.
No sonho, eu tentava acordá-la. Chacoalhava com delicadeza, depois com pressa. Chamava pelo nome. Mas a resposta dela era... outra.
Ela me ameaçava. Me mordia. Não com violência histérica, mas com uma fúria subterrânea, quase ritual. Nada do que eu fazia era suficiente para acordá-la daquela espécie de transe sombrio. E cada tentativa me afastava mais da mulher que eu conhecia.
Acordei com o coração batendo como se tivesse fugido de algo que nunca vi. E ali estava ela — dormindo ao meu lado, serena, real.
Mas confesso: fiquei ressabiado.
Olhei para ela e por um breve instante, minúsculo e silencioso, me perguntei se aquilo tudo... havia mesmo acabado.
Porque há sonhos que não acabam quando a gente acorda.
Há sonhos que continuam dormindo conosco.
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Post Scriptum: Se eu sumir sem explicação, investiguem os travesseiros (como se alguém se importasse...).